encontrei a Rebeca mais nova para tomar um café

Encontrei-me com a Rebeca mais nova para um café em Faro.

Ela estava atrasada e deu-me uma desculpa qualquer que eu sabia que não era verdade, estava apenas ansiosa; eu cheguei mesmo a tempo.
Pediu um café que nem gosta e um bolo só porque sim; eu pedi um galão gelado.

Trazia calças de ganga e uma t-shirt, o cabelo apanhado num coque desarrumado — o seu look de dia a dia —, maquilhagem completa e uma sweat.
Eu usava um vestido comprido, os caracóis soltos e uma maquilhagem simples.

Olhei para ela e revi-me, como se estivesse a olhar para um espelho do passado. Vidrei-me nela, como se me tivesse esquecido de mim própria.
Ela examinou-me de cima a baixo, fixou-se nas tatuagens, no cabelo solto e no sorriso no rosto — como se tudo confirmasse aquilo que o seu coração lhe gritava, o que ele lhe pedia.

Ela veio só com um livro e um diário.
Eu tinha o meu portátil, Kindle, bullet e a mala do ginásio.

Perguntou pelos pais. Menti-lhe — não fui capaz de lhe entregar a verdade nua e crua.
Perguntou pelos avós. Disse que estão velhotes, mas bem, não valia pena dar-lhe dor antes do tempo.
Perguntou se já tinha mais primos. Disse-lhe apenas que sim, que tem três pequenos — se lhe contasse tudo, não acreditaria em mim.

Falou da universidade, do namorado, e de como gostava da sua vida, apesar da ansiedade e das insónias, da mudança que ansiava, mas à qual ainda não conseguia chegar. Contou-me as ideias que tinha, o que andava a tentar escrever, as saídas à noite com a colega de quarto. Falou das notas e das apresentações — orgulhosa do seu caminho, das suas escolhas.

Eu disse-lhe que a vida tinha dado muitas voltas, mas que estava melhor. Contei-lhe que mudei de casa — sem dizer para onde. Falei dos empregos que já tinha tido, dos novos amigos que estava a conhecer. Disse-lhe que estava a viver novamente com a nossa colega de quarto da universidade –, e ela riu-se, incrédula, sem acreditar que ainda somos amigas.

Perguntou-me pelos amigos da universidade.

Disse-lhe que acabei por me afastar de todos, menos de uma. Expliquei que isso faz parte da vida — que não tivesse medo de perder pessoas e de conhecer outras, que curasse o medo de ficar sozinha e aprendesse a aproveitar a sua solitude — vai-lhe fazer falta.

“Há uma razão para cada pessoa fazer parte de cada fase da vida. Umas estão lá para puxar por ti, outras para te relembrar que vale a pena simplesmente viver. Algumas apenas para te ver fracassar. Mas as que mais importam mantêm-se — perto ou longe, elas ficam.”

Ela divagou sobre as mil e uma séries que estava a ver para lidar com a ansiedade, para não pensar demais na vida.
Eu disse-lhe que, hoje em dia, a vida parece um episódio de Friends, que estamos a ler dez livros por mês e que, no fundo, não importa o que ela faça da vida, com quem e onde esteja, desde que a passe a escrever.

Falou-me das suas ansiedades e inseguranças.
Falei-lhe da minha nova rotina, das pequenas mudanças para me sentir e viver melhor. Disse-lhe que um dia ela lá chegaria — mas que não fosse tão insistente consigo mesma.
Divaguei sobre a dor e o medo. Ela ouviu-me atenta, abraçando cada palavra como se soubesse o quanto vai precisar delas — desses conselhos — para o futuro.

Disse-lhe para não ter medo de sonhar grande e graciosamente, e de amar intensamente.
Para não ter medo de um coração partido (seja de que tipo for), mas sim de não amar de todo. Para ter medo apenas de deixar a vida passar-lhe ao lado.

Abraçámo-nos. Ela estava ansiosa e um pouco triste — sentia-se o medo do futuro a transbordar dela, das decisões que sabia que um dia lhe bateriam à porta, como se conseguisse prever o que aí vinha.


Senti por ela. Lembrei-me de tudo o que ela ainda ia viver antes de recuperar o sorriso.
Mas ela continuava — sempre, apesar de tudo — cheia de vida.

Dei-lhe segurança de que tudo correria bem no final, que a terapia ajudaria e que no final, não importa as dores que a vida traga, ficaremos bem.

Ela devolveu-me vida, relembrou-me da vontade de viver que um dia tive e que carregava, apesar de tudo — dos sonhos escritos, da liberdade de voar que ainda queria.

Vi-a voltar para a residência através da janela do café, enquanto abria o meu portátil e escrevia, à espera do comboio de volta para casa.

 

Comentários