Há algo, ao mesmo tempo, desolador e reconfortante no facto de sair de casa porque é preciso.
Mesmo que o regresso a casa nos aqueça de certa forma o coração é desgastante em todos os aspetos.
Apenas 2 dias parecem tão pouco tempo, mas mais de 4 é simplesmente cansativo.
Dói dizer adeus uma e outra vez, mas o tempo que passamos com as pessoas que amamos é muito melhor, porque estás longe 99% do tempo, porque aproveitas mais.
As palavras carregadas de dor e medo ainda doem, mas não tanto quando os abraços têm mais significado.
Mas, ainda assim, tanto as lágrimas como os risos carregam o peso das saudades.
dezembro 2024
A minha avó C foi para o lar quando eu tinha quase dois anos
e não tenho memória alguma dela ainda no campo – onde os meus avós viviam, onde
a minha mãe cresceu e onde cresci a correr e a apanhar laranjas. A C faleceu quando
eu tinha 13 anos. Era normal ir uma ou duas vezes por mês vê-la ao lar e na
semana que ela faleceu, a minha mãe tinha ido vê-la e eu tinha desistido à
última hora, decidindo ficar por casa em vez de ir. Lembro-me quando o meu pai
me deu a notícia, gritei e cai ao chão. Carreguei a saudade abraçada de culpa
durante muito tempo. Isto para dizer que passado algum tempo do falecimento
para lidar com as saudades que me abalavam tanto escrevi-lhe uma carta que tenho
até hoje guardada algures e decidi que não seria uma pessoa que vive consumida
de saudade.
Quando decidi vir viver para Aveiro, sabia que queria
aproveitar todas as oportunidades para ver o meu Algarve e estar com as minhas
pessoas o máximo de tempo possível, para decorar cada cara e cada abraço, ter
conversas longas e rir muito. Não esperava ter saudades – especialmente pelo
facto de estar tão apática –, mas não queria sofrer por não ter aproveitado o
tempo com as pessoas.
Aveiro não se tornou casa por ter cá amigas ou por ter cá
família, tornou-se casa porque teve de se tornar casa.
Quando vim visitar a M a Aveiro no ano passado, e decidi vir
para cá viver, contei à M logo, ela começou literalmente aos pulos de
felicidade. E depois quando vim para baixo trouxe-lhe as chaves de casa – foi
um sinal haha. A M virou uma desculpa que eu dei a muita gente quando contava
que vinha para Aveiro e as pessoas perguntavam o porquê e se tinha alguém –
“ah, a minha colega de quarto da universidade está a viver em Aveiro, vai ser
super fixe estar com ela outra vez e ver se me viro por lá.”
Eu e a M já não vivíamos juntas fazia dois anos, tínhamos
estado juntas umas quatro vezes, entretanto, viver de novo juntas ia ser
complicado – ambas o sabíamos! E a família que eu tenho cá, bem (tia sei que
vais perceber) não era bem família, apesar de a minha tia ter também sido forma
de desculpa para quando me diziam que ficavam preocupados por eu vir e não ter
cá ninguém e de eu dizer a toda gente cá sobre a minha tia e os meus primos e
tio. Lembro-me da primeira vez que chamei a minha tia de tia, desde
provavelmente os meus 8 anos de uma forma mais carinhosa, já estava cá há uns
meses e ficamos as duas a olhar uma para a outra sem saber muito bem o que
dizer ou fazer! Aveiro tornou-se mais rápido casa pelo primo baby T, que tinha
exatamente um mês quando eu cheguei – parecia que estávamos os dois no mesmo
barco, ele muito bebé na vida e eu bebé em Aveiro, faz sentido?
Aveiro tornou-se casa porque me fui deixando curar, deixando
amar-me; tornou-se casa porque as pessoas que tinha aqui nunca me julgaram pelo
que passei e pela cura que ansiosamente procurava e as pessoas que conheci aqui
e que se tornaram amigas, sabendo apenas um pouco do porquê da mudança, nunca
me fizeram sentir coitada, nunca olharam para mim com pena.
É curioso como apenas as pessoas que não sabem de nada,
quando me perguntam porque me mudei do Algarve para Aveiro e eu respondo
“Porque não?” – isto porque, primeiro, já nem tenho paciência de tentar
encontrar uma resposta que fosse agradar ou que fizesse a pessoa sentir-se bem
por fazer a pergunta só por fazer; e, segundo, porque a curiosidade das
pessoas mata a nossa cura – são estas pessoas que olham para mim como se eu
fosse fraca e com pena. Gosto da cara destas pessoas que me perguntam isto com
aquele tom de ‘saíste do paraíso para este desterro’ quando depois eu respondo
que sou daqui também.
Aveiro tornou-se ainda mais casa depois quando passado uns
meses eu fui-me abrindo com as pessoas sobre o que tinha acontecido, numa
necessidade urgente de falar e de me sentir ouvida – sou grata pelas pessoas
que me fizeram sempre sentir ouvida.
A necessidade de mudança foi urgente. A necessidade de tomar
uma decisão no início de junho do ano passado foi primitiva de não aguentar
mais – sim, com base em medo de não conseguir recuperar de tudo.
Estive três meses em Aveiro antes de voltar a Lagos, fui
passar o natal e tive apenas cerca de 50 horas lá em baixo. A segunda vez, de
novo, foram umas 60 horas e a terceira vez, a última, fui quase uma semana. A
primeira vez que voltei ao Algarve ia cheíssima de medo, não sabia o que
esperar das reações das pessoas, ou de como as interações iam ser, ainda não
tinha lidado o suficente com as coisas para saber como eu ia reagir e conseguir
estar presente. A segunda vez foi tudo tão corrido e ia tudo já organizado que
eu nem tinha tempo para respirar, só queria estar com todos e correu bem. A
terceira vez foi quando me apercebi que mais do que três dias é demasiado para
mim e quando realmente consegui estabelecer os meus limites e barreiras – o
orgulho é algo de outro mundo.
Ainda assim, quando as pessoas que sabem de tudo o
que passaste e tudo o que estás a fazer para ultrapassar isso e nunca te
olharam nem falaram com pena ou medo, sabem de algo mais recente e te olham com
cara de pena, tu consegues perceber que algo de certo estás a fazer para lidar
com tudo, que te rodeias das pessoas certas e que tens de aumentar as forças de
proteção.
É um sentimento misto de voltar a um sítio onde ainda tenho
família, mas onde já não me sinto em casa. No outro dia, uma amiga falava-me
sobre o quanto queria ter um trabalho que lhe permitisse ir mais vezes a casa e
que por vezes sente que foi a escolha errada sair de casa, o quanto lhe foi
difícil sair de casa à procura de algo mais – compreendo o que ela diz, mas não
me consigo colocar nos seus sapatos, como se costuma dizer.
É-me um pouco triste dizer que, neste momento, não sei
quando vou voltar ao Algarve, a Lagos. Vejo todos os meus amigos que estão a
estudar ou trabalhar longe de casa, a voltar para férias em casa e fico verdadeiramente
feliz por eles, tal como eles ficam felizes por eu ter encontrado casa em
Aveiro, mas não fico triste por eu não ir a ‘casa’ também. É-me um pouco triste
porque sinto que não tenho casa fora de Aveiro.
Eu sempre vivi com a certeza de que casa não é um local, são
as pessoas – é isso que tenho no Algarve, os meus amigos de mais longa data, os
que me carregaram os últimos anos e aqueles que realmente entendem o porquê de
eu não os ir tantas vezes.
As pessoas que te amam são as que não precisam compreender
as tuas decisões para as aceitar sem julgar – mesmo quando te mudas “do nada”
para o outro lado do país à procura de algo que nem sabes o que é, à procura de
uma cura que lhes parece irreal e que até tu pensas impossível mas que
acreditam que voares vai ser melhor do que ficares parada.
Comentários
Enviar um comentário