"I looked at life tens of
Thousands
of times and
I then
realised. I felt the life in still life."
– Seundja Rhee
Li esta frase, parte de um poema, quando fui a Itália com
uma amiga em julho. Tínhamos grandes planos para as outras cidades, mas em
Veneza andámos um pouco mais descontraídas e, sem muita pressa, aproveitámos uma
calma que a cidade entrega face a grandes cidades como Milão e Roma. Entrámos
num pequeno museu, mesmo à toa, vimos a exposição e, no fim, tinha o livro da
vida da artista. Apesar de também ser apaixonada por pintura, demorei-me mais a
ler o livro, que contava a história de forma cronológica, enquanto tinha
cartas, textos e poemas que a mesma tinha escrito durante essas fases e outros tinham
escrito para ela. E esse poema tocou-me. Foi como um abrir de olhos. Tirei uma
foto, escrevi esta frase no bloco de notas e depois, num autocarro, antes de
dormir ou em algum momento de mais calma, escrevi um pouco sobre como o que
tinha lido me tinha feito sentir.
Tudo o que tenho procurado é a calma e a quietude da vida, a
tranquilidade de apenas viver. Viver no presente e deixar a vida ser a vida,
deixar o presente ser presente, o passado estar no passado e o futuro que ainda
não chegou, lá. Sem stressar com coisas aleatórias ou com o movimento louco e
rápido da vida.
Cresci com ansiedade desde a infância, que consegui curar
aos 21 anos, mas voltou a desenvolver um ano depois... No verão passado, no
meio da Itália, seis meses depois de a ansiedade ter reentrado na minha vida,
voltei a sentir necessidade avassaladora de calma, daquele estado de espírito
de “não importa”. Olhava para os meus amigos que estavam a lidar com algum
nível de ansiedade e via tantos comportamentos que eu também tinha, e entrei
num processo de consideração comigo própria, na altura, sobre como é que
consegui — como é que realmente aguentei — viver assim durante tanto tempo,
durante basicamente toda a minha vida.
Lembro-me que, quando finalmente no secundário tive a
epifania do nome da forma como eu vivia – ansiedade – foi como se o mundo
tivesse parado e tudo tivesse feito sentido: os sintomas, as insónias, os
ataques de pânico e de ansiedade, os sinais de depressão que se interligavam
com a ansiedade. E, quando a ansiedade foi confirmada por uma profissional,
senti-me finalmente entendida, ouvida, abraçada por palavras que precisava proferidas
à tantos anos. Tinha levado muitos anos a achar-me maluca, como se mais ninguém
vivesse da mesma forma que eu vivia. Na verdade, das pessoas à minha volta, na
altura, não havia muitas que sofressem de ansiedade. Foi quando fui para a
universidade que encontrei pessoas que não só também viviam com ansiedade, mas
tinham o à-vontade para falar sobre o assunto, e eu podia comparar no bom
sentido e começar a perceber mais ainda sobre o assunto. Foi na universidade,
durante o meu processo inicial de terapia, que consegui perceber as causas, as
bases da minha ansiedade, e digo-vos que esse foi o primeiro passo para
conseguir lidar com ela e começar o processo de entender como seria viver sem
ela. Nunca me tinha dado sequer a liberdade de sonhar em viver sem a sensação
avassaladora de necessidade de sobrevivência.
Acho que, demasiadas vezes, só nos apercebemos de quão mal
estávamos, e do quanto precisávamos de mudar — merecíamos mudar — quando alguém
que amamos está num processo parecido ao que nós estávamos ou estamos. E nós
não nos estávamos a dar o amor-próprio de mudar, cuidar, continuar a tentar,
realmente sair do fundo; mas queremos que os nossos o façam, e queremos ser
ajuda para tal. É verdadeiramente desolador ver alguém viver da mesma forma que
eu vivi. Tenho tanta empatia por eles, sobretudo porque não tive nenhuma por
mim — e essa é também uma forma maravilhosa de curar as dores da ansiedade que
perduram depois, mesmo depois do processo estar a terminar.
Hoje, para além da terapia, já estudei bastante sobre o
assunto e construí uma base de vida que me permite lidar com a ansiedade de uma
forma muito mais fácil. Hoje em dia, deixo-me sonhar com uma vida de paz e
calma — e isso, só por si, já é lindo. No ano passado, como já sabia como era
viver sem a amígdala da sobrevivência ativada a tempo inteiro, sem o desespero
da ansiedade e do pânico, foi desesperante tentar encontrar-me de volta a um
estado mental bom, de novo. Apesar de tudo, não sabia como navegar a vida de
forma a cuidar de mim ao ponto de retornar a ter paz. Sim, apliquei as minhas
melhores soluções, reconstruí a minha rotina e dias com base no que sabia que
ajudava, mas o luto não me deixava avançar daquele ponto.
Sou honesta: eu queria sentir-me assim, queria sentir pena
de mim própria, queria trazer essa atenção para mim própria porque, no meio de
tudo, para os outros à minha volta, nada do que tinha acontecido me tinha
atingido diretamente. Os meus pais tinham-se separado e divorciado em dois
meses – mas eu já era crescida, já tinha idade para lidar com a cena, eu tinha
participado das conversas finais, e a minha opinião também tinha sido validada
e tido peso. O meu avô tinha morrido sim, mas a minha mãe é que tinha perdido o pai no meio do seu próprio
divórcio.
Deixei-me ter pena de mim própria durante muito tempo,
conformei-me com o facto de que precisava disso, mas não deixei que fosse essa
“Rebeca” a tomar decisões. Ainda assim, tenho a sensação de que esta foi a
altura da minha vida em que tomei decisões mais conscientemente – sim, estava a
levar todos à minha volta em consideração: os seus sentimentos, os seus medos,
as suas dores, os seus pesos. Coloquei tudo isso à frente dos meus. Só na
decisão da mudança é que fui totalmente egoísta. E, mesmo depois de vir para
Aveiro, apesar da distância, isso continuou a acontecer.
Já olhei para a vida dezenas de milhares de vezes e de
tantas perspetivas e pontos de vista diferentes. Já olhei para trás e olhei de
novo para toda a situação, que é muito maior do que estes sete meses em que a
minha vida explodiu. Hoje, consigo finalmente dizer que tudo o que quero é a
quietude e a calma — é paz.
Porque, só na quietude e na calma, é que posso viver tudo o
que a vida tem reservado para mim, e posso desfrutá-la muito melhor. Em Itália,
reencontrei não só a escrita, mas a minha vontade de viver — e, melhor do que
isso, a vontade de viver em paz. Ainda não a tinha. Neste momento, tenho pouca,
mas entendo que ela vem aos poucos.
🤍
ResponderEliminar